"Deu Branco"
O Estado de S. Paulo - Mário Prata

Você que me acompanha aqui há tantos anos, sabe que faz tempo que não pinta um branco. São dois os tipos de branco, para nem não sabe. Um no teatro com o ator. De repente, no meio do espetáculo, dá o chamado branco e ele fica imóvel e calado, apesar de já ter dito a frase seguinte mais de cem vezes, fora os ensaios. Todos grande atores e atrizes já passaram por um branco. Uns, mais honestos, viram-se para o público e dizem: desculpe, mas deu branco. Normalmente são aplaudidos.
Com o cronista, acontece a mesma coisa. Só que a gente diz para o leitor e ele reclama: de novo! O cara vai enrolar até o final. Mas este meu branco tem sua explicação. Eu já havia esboçado a crônica na sexta, mas abri a revista Época ontem e o Xongas escreveu tudo que eu havia programado.
Eu iria falar da Princesa Daiane e aquelas notas compridas que dão para as ginastas. 9,638. Gostaria muito de entender como é que chegam a um número esdrúxulo como este. Eu, por mim, dava logo 10,000, porque quem faz aquilo no ar, ao som do Brasileirinho não pode tirar apenas 9,638 ou coisa mais ou menos parecida. O que será que ela terá que fazer para tirar a nota máxima? Jamais saberemos.
Aí o domingo foi de decisão em todos os estados, fora a tentativa brava dos garotos do tênis de ganharem dos paraguaios, em vão. E fora o almoço de páscoa na casa dos primos. Como pensar em outra crônica com um domingo como este.
Mas, de noite, já com muitos vinhos na cabeça, fiz umas anotações. Mas é sempre assim, no dia seguinte você vai ver a idéia genial e percebe que in vino non veritas. As idéias eram péssimas.
Abro o jornal e nenhum assunto. Não agüento mais ler nada sobre o Iraque e o Bush. Mas, se até o Real Madrid perdeu de três a zero, convenhamos: posso ter tido um branco, depois de tantos anos.
Como isto acontece com todos os cronistas, vou até sugerir para a minha editora fazer uma pesquisa e publicar um livro sobre as cem melhores crônicas em branco. Espero ter umas três, em destaque. Contra umas seis do João Ubaldo. E os brancos do Jubaldo são mais graves porque o espaço dele é bem maior que o meu.
Veja isto, que saiu na Folha: Há quase dez anos, em debate sobre o racismo que a Folha promovia no auditório, um representante de comunidade negra levantou na platéia e acusou o jornal de, apesar de realizar debates, vetava negros na Redação. O então editor de política, João Russo, que mediava o debate, negou:
-Não é verdade. A Folha tem um negro na redação.
-Se tem, diga o nome dele.
Russo teve um lapso de memória. Coçou a cabeça e falou:
-Que tem, tem. Não lembro agora porque me deu branco.
A gargalhada foi geral”.
Escrevi lá no Google “deu branco” e surgiram, em apenas 0,69 segundos, 1.880 deles. Fiquei mais aliviado. A maioria deles em vestibulares. Descobri até que existem dois livros de auto-ajuda ensinando como conviver com o branco.
Vou comprar e na próxima quarta eu conto.

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