Eu toquei Dedé

Quem quando adolescente não queria ser jogador de futebol? Ainda mais em época de copa do mundo, esse desejo crescia no meio da molecada como se fosse algo que estaria no destino de todos, eu fui um desses jogadores. Como todos, sonhara em jogar no time do coração e defender com unhas e dentes o escudo do Corinthians. Pra alguns a sorte era bem melhor que a minha. Tinha certos jogadores, como o Adriano que estudou comigo, esse nas aulas de educação física era o imbatível, exemplo de aluno, o queridinho do professor. Como em toda turma tem o seu exemplo esportista, na minha era o Adriano.
Tinha um corpo grande, não musculoso, mas gordo. Sim, mesmo gordo o mulato ainda era a grande esperança do professor. Hoje, com um pouco mais de massa cinzenta, e um pouco mais de lógica, sei que o tal Adriano não era tudo o que o professor dizia ser, era sim de uma sorte imensa, oportunista e "banheira". É... só por isso marcava os gols e fazia várias cestas no basquete.
E garotos como eu que não passava de um misero jogador no qual servia apenas para preencher um lugar no time. Ralava, e como ralava para marcar um gol. Quando marcava era à custa de muito esforço, muita luta, e mesmo assim quando marcava saia com vontade de berrar devido à alegria, ninguém, ou melhor, o professor não dava à mínima.
O negocio era o Adrianão...
Eu lembro um dia que eu marquei dois gols e no jogo de basquete fiz duas cestas, quase morri de felicidade, um placar magro, sendo que o grande mestre sempre marcava de dez pra cima, em ambas as modalidades. E mesmo assim o cretino do professor vem e diz a minha mãe que não nascia para o esporte...
É... O negocio era o Adrianão.
Isso ocorrerá no ginásio, às aulas eram sempre no finzinho da tarde e se estendia até o anoitecer, logo eu estaria no colegial. E mais uma vez, a turma tinha o esportista exemplo. Acho que no colegial pelo fato de ter juntado muitas escolas, essa minha turma agora teria não só o Adrianão como também outros esportistas, garotos que teriam uma carreira garantida se ficassem no meio do esporte e com a ajuda extra do professor tudo ficaria mais fácil.
Eram sempre convidados para disputar jogos regionais, que me lembre nunca trouxeram um titulo para a cidade. Nessa altura eu já cansado de duelar com os "fortes" desistira de seguir tal caminho, mas mesmo assim lembro que fui, por duas, convidado para disputar também os jogos regionais, iria jogar xadrez...
Mas acabei não indo por achar que não estava preparado para as disputas, isso sim, um exemplo. Nada de ajuda de professor, nada de "banheira".

Nessa migração de ginásio para colegial foram muitas as tentativas de ser como os grandes do esporte aqui de minha cidade. Lembro que eles eram metidos, mal humorados, e nunca, em hipótese alguma falavam de jogos, fora dos jogos, era um exemplo, a lista deles era grande e meu esforço ainda maior.
Para tentar aperfeiçoar minhas habilidades, passei a ir a uma quadra que tem perto de minha casa. Como quem não quer nada, cheguei de mancinho e por mais de dias fiquei ali sentado nas arquibancadas, esperando alguém me chamar para o time, qual o que, nunca era chamado, mesmo com uma sede de jogar, nunca me chamavam. Sendo assim passei a ver como cada qual jogava seus estilos, suas habilidades. Notável que eles jogavam muito melhor que os pupilos do professor da minha escola. Tinha gente ruim ali, certamente pior que eu, mas que ou por conhecer alguém do time, ou per ser o dono da bola, sempre tinha um lugar, e eu lá, na espera.
Foi quando em um desses dias eu estava lá, como sempre sentado (já tinha ate amizade com a galera), quando de repente me aparece um dos pupilos... Era o Adrianão, viera mostrar suas habilidades para a molecada da quadra. Mas e eu? Eu já estaria no banco a dias esperando minha vez...
Alguns dos que jogavam o conhecia, pensei comigo: "mais uma vez ele me passa pra trás".
Mas o Adriano ao chegar à quadra veio até a mim... Conversamos, apontei os melhores ali e logo ele levanta e berra. "Tem dois pra time de fora". Que moral...
Eu ali há dias, quieto mo meu canto, esperando alguém chamar, nunca iam me chamar. Graças ao Adriano eu pude jogar, minha estréia não foi brilhante, mas estava do lado de um dos pupilos, e isso era um sonho pra qualquer um.
Porém nessa quadra, na qual eu achava que um pouco era minha, pois ficava perto de casa, o bambambam não era o Adrianão e sim o Dedé.
Nome de craque, canelas finas, gingado no quadril, sem dinheiro e jogava descalço, tinha tudo pra ser um jogador de futebol, esse sim, era conhecido como o melhor da cidade e eu até então não o conhecia. Time do Dedé pra perder, ou ele tinha que faltar ou estar machucado, era uma coisa de louco vê-lo jogar, realmente esse jogava bem, tinha técnica era magrelo e gostava de driblar. Em uma das disputas, pude ver das arquibancadas ele dar uma finta no pobre do Adriano que por pouco não sai nos jornais local, seria algo extremamente doloroso para nosso professor ver Adriano passar por tal humilhação, não foram uma, mas várias as fintas. Lembro que depois disso Adriano veio a quadra só mais uma vez, depois nunca mais.
Dedé jogava no meio dos grandes, sempre tinha um lugar pra ele, treinava no antigo clube da cidade, treinamento puxado...
Certo dia, não me lembro pegamos certa amizade e pude jogar no time dele, como de costume, era quieto falava pouco. A bola era minha, é verdade, mas o que importa eu estava no time do CARA.
Um dia não pude ir até a quadra, na época somente eu tinha bola, acho que os meninos sentiram falta de mim, tiveram o prazer de vir até minha casa para ver se não iria aparecer por lá. Ao dizer que não, não me lembro o motivo, foram embora. Em meia hora estava somente o Dedé me chamando, atendi... Pediu se não emprestava a bola para a galera jogar um pouco que logo mais ele mesmo trazia de volta. Emprestei com o maior orgulho, pô... Dedé pedindo a minha bola emprestada? Se não me engano eu estava estudando esse dia, volta e meia saia lá fora para ver se estavam vindo. Quando era um pouco mais tarde, quase seis, saí lá fora mais uma vez e encontrei a bola. Pensei que havia me chamando e eu interdito não escutará, sendo assim a jogaram para dentro de casa. Aproximei da bola e com o pé, ao tocar, notei que estava murcha, resolvi pisar em cima e só escutei o barulho do ar saindo. Furaram minha bola...
Tentei procurar o furo, mas nada, só sei que tentei enche-la novamente, mas nada, a bola estava estragada.
Peguei a bola, fui até a quadra e perguntei pelo Dedé, já tinha ido embora...
No outro dia a mesma coisa, eu com a bola furada, na quadra a procura do Dedé, nada...
O safado nunca mais apareceu na quadra, logo depois o vi na rua e nem olhou pra mim.
Assim como ele fizera com o Adrianão, eu o enxotei da quadra, pra nunca mais voltar, pelo menos nas horas que eu estava lá ele não estava. Isso me custou uma bola de couro, mas por um bom tempo eu fiquei sendo o rei da quadra, não por ser o melhor, mas por saberem que o Dedé temia a mim...

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