A ratinha Elis

A ratinha nascera para nós aqui de casa no dia em que Elis Regina completaria sessenta anos caso estivesse viva. Por isso batizei-a de Elis. Se era macho ou fêmea não me pergunte, o nome estava dado a minha família comunicada que estaríamos com ratos em casa!
Estava eu sem sono, após ter tomado um comprimido para dormir. Comprimido esse que não fizera efeito, pois tomei remédio errado. Tomei com a intenção de me topar para então ter uma noite tranqüila, como a muito não tenho, de sono. Acontece que minha mãe esconde o remédio que toma para dormir, pelo simples motivo de eu não tomá-los. E acabei me enganando de frasco... Mas isso não vem ao caso.
Estava aguardando que fizesse efeito (o remédio errado), logo iria dormir como um rei. Resolvi esperar o sono acompanhado de Machado de Assis, com Helena. Algum tempo lendo e decidi parar a leitura; estava pressentindo... O sono iria chegar e me pegaria no meio da leitura, coisa horrível para o livro antes de terminar um capitulo isso não se faz ainda mais se tratando de um Machado de Assis. Parei e me deitei. E o sono nada!
Resolvi então novamente esperar o sono, não com a leitura, mas sim com a tevê. "TVE", especial Elis Regina, na sorte pego um programa que homenageia a Elis Regina pelos seus sessenta anos. Noto que a estante faz uns barulhos, estará rachando? Esparramando no sofá acompanhado por Elis, ouvindo suas canções... E um novo estalo na estante me despertou (despertou? O sono estaria chegando?), olho para os pés da estante, parece estar em perfeito estado, não esta rachando. É quando de repente sai como um tiro a Elis, não a cantora, mas sim a Ratinha Elis. Estaria ela ouvindo as canções da Elis? Não sei. Só sei que justamente no intervalo do programa saiu da estante um rato, em direção ao quarto de minha irmã. O programa recomeça e ela não volta... Foi dormir...
Como dito, comuniquei minha mãe que além de nós, cotávamos com outro habitante, a Elis. "Vou comprar veneno, 'mão branca', na hora mata ela. Vou dopar a Elis.", me arrependi de ter feito tal comunicação, a Elis seria morta, e dessa vez envenenada. Que dor... morrer de tal forma... envenenada... Que mal a Elis estaria fazendo para nós? O que tem de mais hospedá-la?
Alguns dias se passam e minha mãe não compra o veneno (santo forte, o da Elis). Esqueceu... certamente esqueceu, sendo assim caberia a meu pai, caçá-la, matá-la, e jogá-la no lixo. Graças ao bom santo, meu pai (o grande caçador) não deu à mínima para Elis, menosprezando seus dotes. Bingo, com meu pai não dando importância e minha mãe não comprando venenos a Elis viveria bem conosco e por muito tempo.
Mas o pior estaria por vir... A Dominick, uma cadela de estimação de minha irmã, pressentia a presença da pobre Elis. Foi um escândalo. Cachorro quando dana a latir não para, queria porque queria entrar em casa, nunca fizera tamanho escândalo. E entrou...
Começou a correr de um lado pra outro, doida, "cadela idiota...", "é o rato.". Zanzou pela casa por horas danou a deitar perto do sofá e dali não arredava o pé (estaria ela aproveitando a situação para ficar aqui dentro?), nada achou e a cadela (metida a gato), fora colocada para dormir.
Chego da faculdade certa noite, minha mãe boquiaberta no sofá (o remédio para dormir, já fez efeito...) e Dominick mais uma vez beirando o sofá esperando a presa, em um lapso resolvo ajudá-la erguendo o sofá. Mais uma vez Elis dribla a velha Dominick, que é mandada direto para a cama.
Volta e meia à noite víamos a Elis passeando pela casa. Imediatamente a Dominick era solta e como sempre ficava como tonta na beira do sofá (esta aproveitando), até que mandada para fora.
Quando foi sábado, por volta das seis da tarde, estava eu na internet a papear com uns amigos e do meu quarto vi Elis passando para o quarto de minha irmã, como sempre muito apressada. Somente dei uma olhada e nada fiz, não avisei ninguém, pobre Elis. Quando que como um tiro ela entra em meu quarto. Entrou e ficou do lado da cômoda na qual o computador está, mais do que depressa me levanto para poder vê-la, removo dali um computador velho e Elis assustada, sai correndo para debaixo da minha cama. Não me importei, voltei às conversas virtuais e algo chamava minha atenção, notava que Elis estava a correr pelo meu quarto, deixe-a, aqui você pode passear pobre Elis.
Não sei por que em um momento fechei a porta do quarto, prendendo assim Elis. Distraído nas conversas acabei esquecendo Elis. Em um momento de apavoro, desesperada em sair do quarto (eu tinha soltado um pum), Elis passa correndo debaixo do guarda-roupa, eu ao perceber, "Elis...", como se soubesse seu nome, a linda ratinha pára para que eu possa assim contemplá-la, era realmente bonita, ao contrario do que dizem não era suja, era de uma tonalidade cinza escuro, com os olhos negros e não era tão pequena assim. Olhou para mim, coçou o bigodinho, pensou em voltar, parou no meio do caminho e tentou voltar para a porta fechada, "então você é a Elis...", senão fosse minha idiotice de se levantar para abrir a porta, eu poderia ficar olhando para Elis por mais algum tempo. Ao tentar abrir a porta Elis se assusta e corre mais uma vez para debaixo da cama, pobre Elis, sempre assustadinha.

No domingo a noite estávamos nos preparando para assistir um filme, quando comuniquei às pessoas que estavam na sala da presença de Elis, na ocasião estava minha namorada e o namorado de minha irmã, achei por educação alertá-los: "Não se assustem se ver um ratinho passar correndo, é a Elis", minha irmã, com certa alegria no rosto, vira-me e diz: "Ih... ta por fora fí, a Dodô pegou ele essa tarde". Não era possível, cadela gorda havia conseguido caçar a pobre Elis? Matara? Comera? Fiquei um pouco triste, não quis saber dos detalhes, não importava mais, Elis já não estaria mais entre nós. É com certa saudade que escrevo essas linhas e é com certa tristeza que lembro da ratinha Elis que tão pouco ficou por aqui.
Elis, onde você estiver... Perdoe-me pelo pum, eu não fechei a porta por querer.

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