Eu não sei quem foi...

Eu não sei quem foi...

É sempre no mesmo horário que desperta o meu despertador. Isso sendo de segunda a sexta, os dias que eu trabalho. Vida rotineira a minha, de acordar, ir ao banheiro e sempre no amanhecer ver aquele rosto quase sempre por barbear no espelho do banheiro, espelho pequeno como tudo em meu apartamento, espelho que reflete um rosto cansado, não de dormir, mas de rotina, eu acho. Sempre. Sempre a mesma coisa todo santo dia.
Já a mais ou menos uns cinco anos que faço isso rotineiramente: acordo; vou ao banheiro dou uma boa olhada no espelho, pego minha escova e escovo meus dentes. Há a rotina no trabalho também, mas prefiro não relatar, não gosto do meu emprego, gosto do dinheiro. É aquela coisa de fazer por grana, para viver. Viver uma vida de rotina, grande coisa... Dizem que a rotina atrapalha e muito a vida de uma pessoa, ainda mais ela estando com um parceiro; não tenho parceira, mas confesso que a rotina esta atrapalhando minha vida, devo estar ficado louco, não sei, estou cansado...
Chego em casa por volta as dezesseis e quarenta e três, moro mais ou menos perto do meu local de trabalho.
E foi mais ou menos numa hora dessas, quando estava eu chegando em casa, que notei que deveria estar ficando louco, ou muito estressado sei lá. A rotina é tanta que até mesmo o movimento de rodar a chave na fechadura da porta me incomoda, sempre: duas voltas para abri-la, para então eu poder entrar em minha casa. Exausto noto que há uma toalha no chão da sala. Costumo não tomar banho de manha quando acordo, tomo sempre antes de dormir, me ardem os olhos tomar banho pela manhã, não sei por que, mas o ardume é tanto que mal consigo enxergar alguma coisa dentro do box, mas isso só pela manha... não sei, pode ser por causa das remelas que meus olhos soltam. Mas o que me intriga é o fato da toalha estar no chão da sala, sou bem organizado, nunca faria tal coisa, o fato de eu morar sozinho implicou-me a ser um homem organizado. Mas a toalha esta ali, jogada e eu não sei quem a deixou ali.
Pois bem, não é estando ali sozinho que iria descobrir que a deixou no chão, poderia ser eu, poderia eu ter enxugado o rosto com ela logo pela manha na pressa de ir embora para o trabalho. Não uso essa toalha já algum tempo, ela costuma arranhar meu corpo com seus feltros, porém na hora da pressa devo ter apanhado ela sem ver... Mas deixar no chão, isso me deixa realmente intrigado... Vou guardá-la... antes pó-la para secar, ainda esta meia úmida. Não sei se poderia ficar tão úmida somente de eu ter enxugar meu rosto...
Estou exausto hoje, mais do que o comum, deve ser porque é sexta-feira, ainda bem que não trabalho amanha. Sentando no sofá de minha pequena sala, fumando um cigarro fico a olhar para o teto. Não tenho tevê, não gosto. Olhando para o teto vejo uma pequena rachadura, mínima... me pego a pensar na toalha, mas meu estomago interrompe meus pensamentos pedindo que eu ingerisse algo. Recorro à geladeira fiz alguma compra na semana passada e nela deverá ter algo para eu me alimentar, afinal é quase vinte horas e eu estou sem nada dês do almoço. Na geladeira começo a percorrer as prateleiras de baixo pra cima, gosto de olhar as partes de baixo, pois é onde se guardam as frutas e eu gosto de frutas. Frutas não encontro, as frutas que tanto quero, acabaram e eu nem vi. Percorrendo com os olhos as prateleiras de cima, noto algo que novamente me deixar intrigado, eu nunca em minhas compras costumo comprar cerveja, não que seja caro, não vejo graça em beber sozinho em casa, isso me irrita. Mas a cerveja esta ali, e é de uma marca que eu nunca apreciei uma marca estranha, importada. Nunca faria tal coisa. Para enganar o estomago a pego e dou uma boa golada, um pouco amarga demais essa cerveja, no momento em que bebi nem me dei por conta de como ela havia aparecido ali, devo estar mesmo estressado, ou será louco? Cerveja rui, nem termino de tomá-la e deixo na pia. A fome esta me matando então vou tomar um banho quente, vou comer algo fora de casa, algo que me sustente. Meu apartamento é pequeno, mas é de ótimo tamanho para mim, não gosto de ficar tendo que andar de cômodo em cômodo, ainda mais em apartamento, onde os vizinhos do andar de baixo devem-se sentir incomodado com o anda-anda, digo isto porque tenho passos pesados, às vezes incomoda até mesmo a mim. Mas isso não importa o que nesse pequeno percurso da cozinha até o banheiro me martela na cabeça é a toalha e a cerveja na geladeira. Pois bem depois penso nisso...
De fronte ao espelho noto que estou com olheiras, cansaço... Estresse, loucura... Vou me barbear, pois minha barba rala já esta começando a coçar, odeio quando isso acontece, pois sempre me deixa com a face avermelhada. No meu pequeno armário tem o que pode me ajudar a eliminar estes malditos pelos que me incomodam. Neste momento aparentemente esqueço um pouco da minha rotina, não sei se é por que é sexta, ou por que meus pensamentos estão em outras coisas (toalhas e cervejas).
Quando abro o pequeno armário me deparo com algo que me deixa ainda mais encafifado, algo estranho, que nunca pensei em usá-lo na vida. Encontro um barbeador elétrico. Não há possibilidade de eu usar um barbeador desse tipo, pois como disse minha barba é rala, não tem como eu usá-lo, e detalhe não me lembro de ter comprado, como esse aparelho haverá de aparecer em meu armário? Já nervoso o jogo no chão. Não é meu, e esta em minha casa, a cerveja não era minha e estava em minha geladeira. Desisto do banho, preciso pensar algo esta acontecendo aqui, algo que esta me deixando intrigado, nervoso, estressado (ainda mais)...
Dirijo para meu sofá, gosto de pensar sentando ou deitado nele. Acabo por preferir deitar, estou um pouco cansado, começo a pensar no que estaria acontecendo aqui em casa, quando sem mais nem menos acabo pegando no sono. Durmo...
Pego num sono pesado, quando olho no pulso esquerdo vejo à hora; já são quase três da manha. Mas espera... Eu não uso relógio, o fato de eu ser escravo das horas não me agrada, nem um pouco. Mas como? quem colocaria este relógio em meu punho, comigo trancado aqui em casa, quem? Assustado tiro-o de meu braço e jogo longe, não tão longe, pois como bem disse meu apartamento é pequeno, mas jogo-o com força ele bate na parede e cai no chão. Estou assustado agora, tem alguém em meu apartamento, alguém tentando me assustar, e esta conseguindo. Desnorteado, corro até a cozinha, preciso de ar, e é na cozinha, onde tem a maior janela e o ar entra por completo. Apesar de ter dormido quase sete horas ainda continuo cansado... E confesso, me sinto como se estivesse embriagado. Quando paro próximo a janela da cozinha, noto que a lata de cerveja que eu havia deixado sobre a pia já não esta mais lá... em seu lugar há um papel, um bilhete, de quem? Imediatamente, e tremendo o pego, inicio uma leitura, era um bilhete de alerta, um aviso, dizia: “Não mecha em minhas coisas, se acaso quer beber de minha cerveja, peça, obrigado ordinário”.
Ordinário? A cerveja estava dentro da minha geladeira e eu sou ordinário? Quem escreveu esse bilhete? O que há comigo? Estou louco... Cansado e aparentemente bêbado. Mas eu nem bebi, como pode isso... Abro a geladeira e noto que as demais latas de cerveja que estavam ali, juntamente com a que eu peguei já não estão mais. Estão elas todas vazias, no lixo... Como explicar isso? O que há?
Preciso de um banho, preciso me acalmar, o nervosismo só atrapalha nessas horas.
Chego ao banheiro e ao contrario do que eu achava que seria meu alivio, meu descanso, um banho; algo mais intrigante acontece, o barbeador que eu espatifara no chão estava todo aos pedaços em cima da pia, ao seu lado um outro bilhete: “Se vamos dividir a mesma casa, acho bom você respeitar meu espaço, eu não uso sua escova, por exemplo, e você bebe minha cerveja e quebra minhas coisas, corno, pare com isso”.
Corno eu? Mas o que...
Abro o armário e noto agora que há duas escovas de dente...
Estou doente, estou mal... Cansado...
Essa pessoa entra em minha casa quando adormeço, usa minhas coisas, ta certo que ele tem sua própria escova de dente, mas usa minha pasta dental e isso eu não admito. Preciso pensar...
Embriagado, meio sonolento tive a idéia de ligar e deixar ligado uma pequena filmadora que minha mãe havia me dado quando jovem, foi em um natal, não quero falar sobre esse natal; mas a pego, escondo-a e posiciono-a em direção a porta de entrada de meu apartamento o sujeito obviamente deve entrar por ali. Vou me deitar, estou com sono, deve ser por causa da bebedeira, mas eu nem bebi...
Durmo...
Acordo... novamente com um relógio no pulso e embaixo de sua pulseira entre meu braço um outro bilhete: “Maldito, o relógio era de estimação, por que você esta fazendo isso?
Saio correndo para pegar a filmadora, se a pessoa colocou o relógio em meu braço com um bilhete haverá de entrar em minha casa, agora eu iria saber quem era. Pego a fita, só espero que a fita não tenha acabado antes do sujeito entrar em minha casa.
Momentos, vários momentos de filmagem de uma porta imóvel, parada, fechada. Avanço a fita. É quando de repente vejo alguém passar... Mas esse alguém já esta dentro de minha casa, estaria ele escondido? Essa pessoa passa muito próxima a filmadora vejo somente suas pernas...
Esta voltando... vai sair... Saiu... De relance, quando a pessoa fecha a porta saindo de minha casa, da pra eu ver quem era.
Não acredito... Não pode ser...
Sou eu!

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